Luiz Eduardo Oliveira
Doutor em Saúde e Ambiente
A relação entre saúde e saneamento básico é escancaradamente clara e direta. O problema é que as edificações para a concretização de saneamento ficam embaixo da terra. Segundo a presidente executiva do instituto Trata Brasil, Luana Pretto, a falta de saneamento influencia diretamente na qualidade de vida das pessoas. A ausência dele, integral ou parcial, contribui para a proliferação de doenças, a exemplo da dengue, esquistossomose, leptospirose e diarreia. Vale destacar que Sergipe é um foco de esquistossomose há décadas. A Secretaria de Estado da Saúde recomendou, embora pareça que os gestores não tenham entendido, a intensificação de campanhas educativas e ações de prevenção e buscas de casos de esquistossomose no estado (Sergipe). Segundo a própria Secretaria, dos 75 municípios, 51 são endêmicos e há cidades com ocorrência significativa de casos. Qual ou quais a (s) providência (s)? Lagoas e rios contaminados e que por certo devem gerar impactos econômicos para os municípios e na qualidade de vida dos seus habitantes, no estado de completude, preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda queremos ser um destino turístico, porém se os dados sobre a contaminação ambiental forem expostos, “bye, bye tristeza, não precisa voltar”, já cantava Sandra.
Vale ressaltar que esse conjunto de medidas, denominado saneamento, tem por objetivo prevenir doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da população e, também, gerar possibilidades de melhoria na produtividade do indivíduo. É mais um direito assegurado na Constituição Federal do Brasil (competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios), na Constituição do Estado de Sergipe e na Lei n. 11.455/2007, porém sistematicamente violado. Assegura a Constituição Federal a competência do Sistema Único de Saúde (SUS) na participação da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico. Sergipe pactuou, em 1989, constitucionalmente, que o saneamento básico seria meta prioritária, em todo o território estadual. Meta essa que deveria ter sido alcançada até 1999.
Importante frisar que o saneamento básico inclui como serviços, não somente o abastecimento de água, mas, também, o esgotamento sanitário, os resíduos sólidos e a limpeza urbana. Os princípios adotados pelos governos Federal, Estadual e Municipal contemplam a Universalização, o Plano Municipal de Saneamento Básico e a Regulação de Serviços que devem ser prestados à população através de contrato, que estabeleça os termos e as principais condições para a prestação dos serviços. A lei também garantiu à sociedade informações, representações técnicas e participação nos processos de formulação de políticas. Fica cada vez mais evidente o porquê da necessidade em manter a população em condições precárias de educação.
O município de Aracaju, em 2017, instituiu o seu Plano de Saneamento Básico, portanto anterior ao “novo marco legal do saneamento/2020 e não houve mudanças significativas na prestação dos serviços.
Não se pode deixar de mencionar o Plano Nacional de Saneamento (Plansab), de 2013, que teve e tem como objetivos, a construção do pacto federativo para a solução dos problemas do saneamento BÁSICO, fortalecer a regulação dos serviços, instituir metas para a universalização e estimar seus custos. O plano estabeleceu também um horizonte de 20 anos, com prazo que findará em 2033, porém já estamos em 2024 e até o momento…
Nem o novo marco legal do saneamento, instituído através da Lei 14.026/2020, conseguiu garantir água potável e tratamento de esgoto para todos, em Aracaju.
Alguns dados são essenciais para a discussão sobre o saneamento básico de nossa capital e para tanto precisamos observar o Painel Saneamento Brasil, através do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento (SNIS). De acordo com o último levantamento (2021), Aracaju conta com uma população de aproximadamente 672.614 pessoas e desse total, 2,0% da população não possui acesso à água, 44,8% não tem acesso à coleta de esgoto e 63,9% é o índice de esgoto tratado referente à água consumida. O painel também traz associações com internações por doenças de veiculação hídrica, escolaridade das pessoas com e sem saneamento, entre outras.
O Instituto Água e Saneamento, através da empresa prestadora de serviço, Empresa Municipal de Obras e Urbanização (EMURB), também fornece elementos consistentes para a discussão sobre o saneamento básico de Aracaju. Segundo o Instituto, 100% da área de Aracaju é considerada área urbana, 1,6% da população possui domicílio com risco de inundação e não possui Plano Diretor de Drenagem, além de outros dados importantes.
A criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), em 2020, uma autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, foi e é outro importante ator na implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e na regulação dos serviços públicos de saneamento básico.
Em relação à Aracaju, alguns locais chamam a atenção dos transeuntes pelas violações, abandonos e falta de atenção com o meio ambiente. O Parque Tramandaí, localizado no bairro Jardins, um bairro com pouquíssimos jardins. Lembrando que Tramandaí, uma palavra de origem tupi-guarani, pode significar, “lugar onde se cerca para colher (pescar com redes) ”, ali quase nada sobrevive.
Segundo informação, o “parque” nasceu de termo de ajustamento de conduta (TAC) quando da abertura da avenida Pedro Valadares e o tal bairro “Jardins” não tem ligação com a rede de esgoto, ocorrendo o lançamento in natura dos efluentes. A interligação com o rio Sergipe encontra-se prejudicada pela falta de manutenção nas seis “bocas”. Para complementar a tragédia, há uma construtora pleiteando indenização sob alegação de que o mangue e o parque são propriedades particular.
Enquanto isso, o pretenso parque apresenta-se como uma área isolada, sem função e aguardando o processo de aterramento para construção de edifícios.
Segundo pesquisa da arquiteta e urbanista Moana Prado, o “parque surgiu como medida compensatória para mitigar os impactos ambientais que foram causadas pela criação do Bairro Jardins na década de 1980”. Qual a medida compensatória? Em que medida o meio ambiente foi recuperado? Ainda segunda a pesquisadora, o parque está classificado como área de proteção ambiental.
Verificando a lei 12.651/2012, conhecida como o novo “Código Florestal” encontraremos no artigo 4 que os manguezais, em toda a sua extensão, são considerados Área de Preservação Permanente, bem como o uso ecologicamente sustentável dos apicuns inclui a salvaguarda da absoluta integridade dos manguezais.
Necessário se faz mencionar que Sergipe significa rios dos siris e que esses crustáceos são exclusivos de ambiente com salinidade alta, como é o caso dos ecossistemas estuarinos, os mangues. Aracaju foi construída, praticamente toda a cidade, em cima de manguezais.
Da lagoa Tramandaí os dejetos são lançados diretamente nos rios Sergipe e Poxim.
Outro local que provoca comoção é o aterramento das lagoas localizadas à margem da avenida Melício Machado e da Rodovia do Náufragos, desde o bairro Atalaia ao bairro Mosqueiro. Um processo que trará problemas de inundação em toda a área da conhecida “Zona de Expansão”.
Já a Maré do Apicum, localizada entre bairros de classe média e alta, recebe os dejetos da Coroa do Meio e frequentemente é possível verificar que alguns moradores mais antigos ainda realizam a pesca e o seu resultado do seu trabalho é vendido à população.
Nas imediações dos bairros Coqueiral e Porto Dantas há remanescente de manque, depois de um grande “aterro” realizado pelo poder público, nas proximidades do rio do Sal, entre Aracaju e Nossa Senhora do Socorro, que precisa ser analisado conjuntamente por vários atores sociais e políticos pois é um local destinado a ser um grande foco de doenças.
Há ainda a Lagoa Doce e a Lagoa Grande, localizadas no bairro Jabotiana que precisam de cuidados e ações efetivas.
Além da especulação imobiliária presente nos bairros “Jardins”, “Mosqueiro”, Jabotiana, Coqueiral, Porto Dantas e Coroa do Meio, é necessário fiscalizar o acúmulo de resíduos sólidos, como os entulhos, colocados “por engano”. Nesses espaços urbanos, o esgotamento sanitário, os aterros e a drenagem das águas devem ser analisados à luz dos marcos legais e de forma constante.
Ação preventiva é sempre menos onerosa e minimiza ou evita catástrofes. Algo precisa ser feito urgentemente, pois o saneamento BÁSICO é um dos pilares de construção da promoção de saúde e pode facilitar na mudança para melhor qualidade de vida e saúde de uma geração condenada à vulnerabilidade. Quis custodiet ipsos custodes? Somente Juvenal para nos ajudar?