De acordo com o Censo Escolar, em 2020, no Brasil, havia 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência matriculados na educação básica. Conforme a Secretaria Municipal da Educação (Semed), atualmente, a rede municipal de ensino de Aracaju contabiliza 846 alunos com algum tipo de deficiência e, ano a ano, o crescimento do número de matrículas deste público tem aumentado de 10% a 15%.
Secretária municipal da Educação de Aracaju, a professora Cecília Leite explica que ainda não é possível identificar se esse aumento se deve ao crescimento do número de pessoas com deficiência ou à ampliação do grau de identificação das famílias com relação à escola ou mesmo a disponibilidade do acesso, “ao ponto dessas crianças deixarem o isolamento e serem levadas ao convívio escolar”. “Havia muitos casos de mães que não levavam seus filhos à escola porque eles tinham a matrícula negada. A rede municipal de Aracaju não nega matrícula a crianças com necessidades especiais, pelo contrário, acolhemos e atuamos de forma a desenvolver essa criança, assim como nos empenhamos para desenvolver todos os demais alunos. E essa é a ótica da inclusão”, destaca Cecília Leite.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) foi instituída pelo Ministério da Educação (MEC) em 2008 e, naquele momento, versava que o movimento mundial pela inclusão “é uma ação política, cultural, social, pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação”. Ou seja, ao invés de serem criadas escolas especiais somente para estudantes com algum tipo de deficiência, estimula o convívio sem segregação.
Essa máxima da inclusão pelo acolhimento é considerada como um dos focos da política desenvolvida na rede municipal de ensino de Aracaju que, atualmente, conta com 25 salas de recursos multifuncionais para Educação Especial. “Temos tradutor/intérprete de libras em sala de aula, além das adaptações para acessibilidade em todas as escolas municipais, inclusive, as unidades entregues recentemente contam com elevadores em funcionamento. A educação inclusiva não é somente sobre a criança com deficiência estar em contato com outras crianças, mas também atuar para que as outras crianças compreendam e respeitem essa necessidade. Isso faz com que a criança aprenda sobre respeitar as diferenças, a se colocar no lugar do outro. A escola inclusiva alfabetiza, desenvolve cidadãos, mas, sobretudo, seres humanos”, destaca a gestora.
Para Cecília, a lógica é muito simples: “se colocarmos essas crianças isoladas, elas não vão conviver, as demais não vão entender que existem pessoas que possuem necessidades diferentes das delas. A escola é base fundamental da formação desse ser humano”.
Incluir para desenvolver
A rede municipal de ensino de Aracaju possui cerca de 30 mil alunos, como Ketlyn, de 9 anos, cuja deficiência auditiva foi descoberta quando tinha cerca 2 anos de idade, numa simples brincadeira com o irmão mais velho.
“Certa vez, notei que ela começou a arrancar o cabelo e isso começou a me preocupar. Levei para vários médicos, ela passou por vários exames e avaliações e não descobrimos. Até que, certo dia, enquanto ela brincava com o irmão, ele a chamou várias vezes, ela passou por ele, e foi chamada outras vezes e não ouviu. Depois disso, reparei que ela encostava muito perto da televisão para conseguir ouvir. Então, depois de exames, foi diagnosticada a perda auditiva. Hoje, ela usa aparelho auditivo nos dois ouvidos”, relata a mãe Jéssica Menezes.
Vendo os potenciais da filha e tendo compreensão das capacidades que ela poderia desenvolver, Jéssica decidiu introduzir Ketlyn na rotina escolar ainda na fase de creche. Aos 6 anos, a menina começou a estudar na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Oviêdo Teixeira.
“Ela é muito inteligente, querida pelos coleguinhas e pelos professores. Na escola, ela recebe o suporte necessário para aprender. Nunca olhei para a minha filha pensando diretamente na deficiência porque sempre enxerguei para além disso. Ela é uma criança como outra qualquer, com capacidade como outra qualquer, só precisa de outros tipos de estímulos, o que, acredito, seja normal a todos nós. Uns aprendem de um jeito e outros de uma forma diferente. Na escola, vi minha filha se desenvolver e conviver ainda melhor com as pessoas. Se colocá-la brincando com outras crianças, não se nota a deficiência”, conta Jéssica.
Preparação para a vida
Com o estímulo à conscientização acerca da multiplicidade humana, a escola se torna um ambiente que auxilia na preparação para a vida em sociedade e essa preparação tem muito a ver com inclusão.
Segundo a coordenadora da Educação Especial (Coesp/Semed), Thaisa Aragão, para se ter uma escola inclusiva é necessário garantir atendimento educacional especializado, que é realizado nas salas de recursos multifuncionais; assim como a qualificação do trabalho que, em Aracaju, já acontece nessas salas; e na ampliação da oferta dessas salas de recursos.
“Esse atendimento qualificado é justamente para trabalhar as especificações desses alunos para que elas não se tornem barreiras intransponíveis. Se pegarmos o conceito atual, de pessoa com deficiência, da LBI [Lei Brasileira de Inclusão], de 2015, veremos que teve uma mudança sutil, porém, muito significativa: a deficiência não está mais referida à pessoa, mas está referida a esse encontro que se dá das características de cada pessoa com as do ambiente”, explica Thaisa.
Ainda de acordo com a coordenadora, é preciso trabalhar com a perspectiva de que o ambiente seja acessível para todas as pessoas. Ou seja, se há um aluno que não tem deficiência, mas a metodologia utilizada pelo professor não é acessível a ele por alguma razão, pode-se considerar que este aluno não está sendo incluído. “Pensar em inclusão por essa perspectiva é o que temos tentado fazer com os alunos da educação especial, que a gente trabalhe para eliminar as barreiras que impedem que eles acessem o espaço, o conteúdo, o currículo, e possam acessar, também, o conhecimento”, destaca.
Sala de recursos
A Sala de Recursos Multifuncionais é um ambiente complementar e/ou suplementar ao trabalho realizado em sala de aula regular e que oferta aos alunos público-alvo da educação especial recursos e estratégias que possibilitem e/ou facilitem a rotina na escola e, sobretudo, em sociedade. O espaço trabalha de maneira conjunta com a sala de aula regular e expande os horizontes, não só dos alunos assistidos, mas dos demais que são igualmente sensibilizados para lidarem com as especificidades comuns a cada ser humano. Assim, se em um turno o aluno com deficiência está em sala de aula regular em convívio com outros alunos, no outro ele recebe atendimento voltado para sua necessidade especial.
Recentemente, a Prefeitura realizou a distribuição de kits pedagógicos que auxiliarão os professores com as atividades cotidianas. A aquisição destes itens pedagógicos é fruto de um investimento de R$299,5 mil, que tem como objetivo fortalecer ainda mais o trabalho realizado nas 24 salas de recursos em funcionamento na rede, e de mais uma que passará a funcionar a partir do próximo semestre letivo, programada para ser iniciado no dia 13 de setembro.
Entre os cerca de 60 itens diferentes, estão alguns específicos para determinados tipos de deficiência, como o Soroban, um tipo de calculadora voltada para pessoas com deficiência visual; e itens mais abrangentes, que podem ser usados em atendimento para crianças com diversos tipos de deficiência, como circuito psicomotor, jogos da memória, esquema corporal, reglete positiva, rotinas para autistas, entre outros.
“Independente de deficiência ou não, a escola apresenta desafios para os alunos, para que eles avancem, cresçam e ampliem suas habilidades e aprendizagens. Os alunos público-alvo da educação especial têm um desafio a mais porque, às vezes, o que é apresentado para eles não está adequado, impedindo assim o seu acesso ao conteúdo e ao conhecimento. Então a gente precisa trabalhar continuamente pela acessibilidade em seus mais diversos âmbitos, sobretudo para que não existam barreiras ao acesso à informação e ao conhecimento, que é um direito de todos”, complementa Thaisa.
AAN