“Para corromper o indivíduo, basta ensiná-lo a chamar ‘direitos’ os seus desejos pessoais, e ‘abusos’ os direitos alheios.” (Nicolás D’Ávila, escritor colombiano)
A história da humanidade é marcada por lutas contínuas em defesa da democracia. Como pilar primordial para a liberdade, a escolha livre dos representantes e gestores públicos tornou-se condição indiscutível definida pela sociedade atual. Contudo, apesar de ser uma norma social aceita pela esmagadora maioria da sociedade, a democracia muitas vezes é destruída a partir de processos de rupturas à liberdade que se espalham em todos os cantos do mundo e em vários níveis de representação social. Ditaduras de todos os espectros políticos são exemplos históricos destes momentos de ruptura de liberdade. Como processo não natural para a sociedade, estas rupturas são sempre justificadas pelos golpistas para, assim, darem um ar de impossibilidade de manutenção da democracia.
O interessante é que existe um padrão histórico de justificativa para os Golpes. Primeiro, define-se um inimigo que destruiria a democracia, o qual os próprios golpistas destruirão. Segundo, criam uma aura de serem a única possibilidade de salvação do inimigo supostamente criado. Terceiro, justifica-se que estão em cumprimento da lei e são os únicos mantenedores da ordem. Este padrão foi usado pelos maiores déspotas do mundo e segue sendo usado por aqueles que não se conformam com a liberdade de escolha nos processos democráticos. Um exemplo deste padrão, bem próximo a nós, foi perpetrado pelo ex-reitor, sr. Angelo Antoniolli, no processo de escolha de seu sucessor, que agora mostrou-se tragicamente vitorioso. Vergonha para as universidades públicas, vergonha para Sergipe.
Na primeira fase do padrão golpista, tratou-se de definir uma candidatura de direita como a grande inimiga da UFS. Dentro desta narrativa, foi decretado que esta candidatura seria antidemocrática, caso assumisse o comando da UFS, iria destruir a liberdade de cátedra e seria os olhos e ouvidos do atual Governo Federal. Na segunda fase, ao perceber a derrota pelas vias democráticas e tentativa frustrada de acordo, sem antes tentar difamar a nossa reputação, o ex-reitor decretou que seu candidato seria a única opção para a salvação da UFS, visto que outra candidatura sem seu apoio não seria escolhida pelo Governo Federal. Portanto, quem sobraria para manter a ordem?
Ele, o Único. Com a justificativa de realizar um golpe e tranquilizadas as cabeças dos favorecidos pela manutenção no poder: o que fazer com a Comunidade Universitária que não aceitaria esta justificativa? O que fazer com a maioria da Comunidade: técnicos-administrativos, estudantes e professores que viam no processo democrático condição indiscutível de escolha de seus dirigentes? A resposta foi clara: destruir qualquer possibilidade de outra solução. Para tanto faltava a implementação direta do golpe. Fato consumado sob o comando do ex-reitor. Dessa forma, infelizmente, a Universidade Federal de Sergipe foi a única no Brasil, que desconsiderou o processo da escolha de reitor(a) via Consulta à Comunidade para a formação da lista tríplice (prática exercida há mais de 30 anos na UFS, bem como em todas as universidades federais do Brasil).
A terceira fase do Golpe foi executada através da utilização de brechas de lei violando o princípio da eleição democrática. A UFS, que deveria ser o pilar da democracia, passou a servir de exemplo de como montar legalmente um Golpe de perpetuação do poder e interesses pessoais. Assim, num dos dias mais sombrios da história da Universidade Federal de Sergipe, dia 15 de julho de 2020, realizou-se uma eleição indireta para escolha do futuro reitor, mesmo com tempo suficiente para aguardar a realização do processo democrático de consulta à comunidade universitária, a qual o referente exreitor, inclusive, foi eleito por quatro vezes.
A partir de um Colégio Eleitoral composto de apenas 82 pessoas, inclusive formado por representantes, em exercício, de cargos de confiança do sr. Angelo Antoniolli, foi realizada uma eleição indireta, e este, a partir dos cinco nomes votados, definiu uma lista tríplice, sendo o primeiro nome o Prof. Valter Santana, seu Vice-reitor protempore, que inclusive não participou do processo eleitoral realizado pelas entidades representativas (ADUFS, DCE, SINTUFS). É fundamental destacar que o ex-reitor negou o pedido das entidades para realizarem a consulta remota a partir do uso do Sigeleição. De forma trágica, a autonomia constitucional foi usada para negar um processo democrático. Porém, em luta contínua para a garantia da nossa autonomia, as entidades representativas, demonstrando a possibilidade plena de uma eleição democrática não como um instrumento jurídico, mas uma expressão de uma sociedade
democrática, realizou a eleição via consulta remota à comunidade com total sucesso, nos dias 23 e 24 de agosto de 2020.
Não reconhecendo a consulta à comunidade, os golpistas passaram a ater-se à narrativa única de legalidade de atos. Diante de alguns processos judiciais interpostos contra a farsa da reunião do dia 15 de julho de 2020, os olhos e o coração dos golpistas fixaramse no princípio da legalidade. Nenhum comentário foi feito quando o Parecer do MPF foi explícito indicando que o processo foi legal, entretanto imoral, conforme as palavras do Procurador do MPF: “Portanto, muitas das irregularidades trazidas aos presentes autos, em que pese serem condutas subjetivamente (moralmente) reprováveis em sede de uma corrida eleitoral-acadêmica, não apresentam indícios concretos dotados da mínima relevância jurídica”. Fazendo vistas grossas, continuaram na narrativa da legalidade que culminou com um processo de intervenção por parte do MEC. A UFS viveu quatro meses sob a tutela de uma reitoria pro-tempore, em que o
debate da legalidade foi o centro das justificativas e atenções e à espera de uma decisão judicial, em que um único senhor deveria definir o futuro da nossa universidade.
A nomeação do sr. Valter Santana, no dia 17 de março de 2021 pelo Presidente Jair Bolsonaro, representou a vitória da imoralidade. Vitória Pírrica. Não esqueçamos que aos golpistas cabe a posição de lixo da história junto com os fascistas e traidores, por um tempo muito maior que suas vidas. Foi nomeado alguém que sequer teve preocupação em construir um Plano de Gestão, defender sua concepção de universidade e apresentá-lo à comunidade. Com grande probabilidade, continuará aquela forma coronelista de administrar, característica do sr. Angelo Antoniolli e na certa grande mentor da gestão imposta.
Aos “vitoriosos” imorais golpistas, fazemos nossas as palavras de Darcy Ribeiro: “detestaria estar no lugar de quem me venceu”. A todas e todos da nossa querida UFS, finalizamos dizendo que temos a certeza que “a única luta que se perde é aquela que se abandona”, assim seguiremos avante na luta por uma UNIVERSIDADE LIVRE E DEMOCRÁTICA.
Prof. André Maurício Conceição de Souza e Profa. Rozana Rivas de Araújo
(Representantes da Chapa 4 que apresentou o conjunto de propostas e venceu o processo de consulta para o cargo de reitor(a)/vice-reitor(a), cumprindo a prática democrática de mais de 30 anos da História da UFS)