Por Henrique Maynart
Falta de planejamento, aumento de custos, adoecimento, confusão entre o trabalho e o ambiente doméstico. Este é o quadro analisado por 206 trabalhadoras e trabalhadores da Universidade Federal de Sergipe, dentre celetistas, terceirizados e integrantes do Regime Jurídico Único (RJU). A pesquisa aconteceu entre os dias 14 de setembro e dois de outubro de 2020.
A Comissão sobre Teletrabalho da UFS apresentará nos próximos dias uma proposta de regulamentação da atividade ao Conselho Superior da instituição. A Comissão não foi organizada de forma paritária e as entidades representativas de servidores técnicos e docentes constituem minoria absoluta no GT. Portanto, a presente pesquisa organizada por Taira Cris, Fábio Farias e Fábio Santos, dirigentes do Sintufs, tem por objetivo ampliar a discussão sobre a experiência do trabalho remoto durante a pandemia de Covid 19, a fim de questionar critérios previstos em algumas propostas, em especial a Instrução Normativa n°65/2020 do Governo Federal.
O Sintufs vem debatendo e acumulando posições sobre a temática do Teletrabalho desde o último Congresso da categoria, ocorrido em setembro de 2018. O sindicato também organizou duas lives nos meses de maio e agosto de 2020, para debater os efeitos da IN nº65/2020 e as possibilidades do Teletrabalho, juntamente com o professor Cesar Bolano, a servidora Caroline Nagel e o advogado Maurício Gentil. Portanto, as considerações da entidade vêm de longe.
Clique e confira na íntegra o resultado e os gráficos da pesquisa.
CONSIDERAÇÕES ENTRE PERDAS E GANHOS
Apesar de uma série de questões, existem aspectos positivos na experiência de trabalho remoto, o que faz com que boa parte dos entrevistados alegue optar por alguma modalidade deste, seja semipresencial ou integral. Porém, para 65% dos ouvidos qualquer modalidade de trabalho presencial é fundamental. É necessário estabelecer critérios de acompanhamento, adaptação e estrutura.
IN Nº65/2020 JÁ É REALIDADE POR AQUI
A partir da elaboração de questionários disponíveis no site da entidade, os servidores e servidoras puderam analisar questões como adaptação, equipamentos, planejamento, dentre outros elementos. A pesquisa detectou que uma série de aspectos previstos na Instrução Normativa nº65/2020 do Governo Federal, já fazem parte da realidade da categoria.
“Esta IN é absurda, não estabelece qualquer fornecimento de equipamento, infraestrutura, segurança digital nem ajuda de custo para tal, além de cortar auxílios dos servidores. Nós conseguimos ver muitas coisas que estão no texto da IN na realidade apresentada pela pesquisa, e isso nos preocupa bastante”, afirmou Fábio Farias, coordenador do Sintufs e um dos responsáveis pela pesquisa.
PLANEJAMENTO IRREGULAR E INFRAESTRUTURA INCIPIENTE
Cerca de um terço dos entrevistados alegaram que não houve planejamento para implementação do trabalho remoto em seus setores e departamentos. Os outros dois terços que responderam, a maioria teve que entrar de forma imediata, outros demoraram cerca de 30 a 90 dias para implementação.
Em relação à infraestrutura necessária para realizar o trabalho, apenas 13.1% alegam não gozar de condições próprias e destes, 62.9% não teve qualquer suporte tecnológico da instituição, como empréstimo de equipamento.
Mesmo contando com alto número de entrevistados alegando gozar de equipamento e condições para executar o trabalho, 43,2% divide seus equipamentos com outros membros da família e 40% informou não possuir cômodos próprios para atividade laboral, como cadeiras e mesas adequadas.
“Quase metade da categoria precisa dividir um computador com um parente, seja com filho ou mãe, e a gente achar que isso é um dado importante, pois demonstra uma limitação objetiva para uma parcela dos trabalhadores para desempenhar suas atividades. E onde fica a responsabilidade da instituição em prover os equipamentos de trabalho? Essa é uma obrigação legal da instituição e precisa ser cumprida”, afirmou Taira Cris, coordenadora do Sintufs e integrante da pesquisa.
AUMENTO DOS CUSTOS, CONTAS PESSOAIS E CARGA DE TRABALHO
Para 65% dos entrevistados os custos domésticos tiveram aumento, o que interfere diretamente no orçamento familiar. Dos entrevistados, apenas 2.4% alegaram diminuição nos custos.
A utilização de números e contatos pessoais são uma realidade inconteste no trabalho remoto. Em primeiro lugar vem o Whatsapp (usado por 87,4%), seguido pelo telefone pessoal (79,1%), o e-mail institucional (76,2%), o e-mail pessoal (61,7%), o memorando eletrônico (45,6%), e por último o programa Microsoft Teams adquirido pela UFS (44,2%).
Outro dado bastante preocupante é que 24,8% dos trabalhadores relataram que tiveram aumento da carga horária em relação ao trabalho presencial. A maioria (39%) teve aumento de 3 a 4 horas diárias, tendo outros 5,1% um aumento de 4 a 6 horas e 8,5% cumprido uma carga horária excedente acima de 6 horas por dia.
Acontece que a Lei nº 8.112/90 e as normativas internas da UFS não permitem a extensão da jornada de trabalho diária acima de 10 horas.
ADOECIMENTO
Para 27,7% dos ouvidos, o trabalho remoto afetou negativamente sua vida quanto aos aspectos psicológicos e emocionais, outros 10,7% não souberam avaliar.
Quase metade deste montante observou ter sintomas físicos, como dores constantes em alguma parte do corpo sem nenhuma causa, distúrbio de sono e baixa de imunidade em decorrência do trabalho remoto, o que indica um processo de adoecimento dos trabalhadores em razão de causas laborais.
Destes casos, 59,1% alegou não ter qualquer acompanhamento especializado de saúde.
“Em outras palavras: os trabalhadores podem estar adoecendo por causas associadas ao trabalho e sequer estão, por diversas razões, cuidando e/ou tratando de sua saúde. Isso nos indica que a gestão da UFS precisa conhecer a fundo essa realidade para fazer as devidas intervenções no processo de acompanhamento de saúde ocupacional do conjunto dos seus trabalhadores.” afirma o documento da pesquisa.
CONTAMINAÇÃO POR COVID
Dos entrevistados, 36,4% afirmaram contraíram o novo coronavírus ou tiveram algum membro da família acometido pela doença. Destes, 97,6% não tiveram qualquer tipo de acompanhamento ou suporte do setor médico da UFS, configurando um cenário de abandono dos trabalhadores por parte da instituição. O estudo mostra “o contrassenso na postura da Reitoria em incentivar pesquisas com realização de testes de soroprevalência com alguns grupos em Sergipe, não fomentando uma política de prevenção, proteção e pesquisa entre a comunidade acadêmica.”
VANTAGENS E DESVANTAGENS
Como tudo na vida, existem pontos positivos e negativos. Para 83% dos entrevistados há vantagens na modalidade de trabalho remoto, sobretudo na organização e flexibilização da agenda de trabalho, a menor exposição à contaminação ao Novo Coronavírus. Para 67% a modalidade traz desvantagens, como ausência de relacionamento interpessoal com os colegas e usuários, sobrecarga de trabalho, falta de capacitação, dentre outros.
PREFERÊNCIAS
Do total, 44,2% teriam interesse em permanecer em trabalho remoto após a pandemia, desde que na modalidade semipresencial. Outros 22,3% de trabalhadores e trabalhadoras declararam preferência pelo trabalho de forma presencial após a pandemia. Enquanto que 33,5% indicou que permaneceria em trabalho remoto se houvesse oportunidade para tal.
“Tem parcelas da categoria que enxerga o trabalho remoto como uma boa alternativa. Nós queremos que todos e todas possam ter condições reais de organizar o seu trabalho, seja de forma presencial, semipresencial ou remota, com dignidade, sem adoecimento ou aumento no orçamento doméstico. Este foi o objetivo da pesquisa, indicar elementos para que nós possamos pensar estratégias para exigir as melhores condições de trabalho para os(as) trabalhadores(as) submetidos ao trabalho remoto”, afirmou Taira Cris.