Sílvio Romero foi alvo de críticas e acusado de racismo, mas em nenhum momento foi enaltecido como precursor do pioneirismo nos estudos da cultura de origem africana e de seus afrodescendentes. Sílvio tinha preocupação porque os brasileiros não se dedicavam a estudar algo próprio, com experiências de sobra no solo nacional, enquanto os europeus viajavam para o continente africano em busca de dados e para reforçar suas teorias em diversos campos da ciência. Para Sílvio Romero, era inconcebível essa negligência por parte dos intelectuais da época, observando que seus estudos eram basicamente no campo da literatura e do folclore regional do território brasileiro, não sendo no campo da pseudociência, motivo, portanto, para isenção de qualquer veracidade preconceituosa desde o início.
Outro sergipano que compartilhou dessa preocupação foi João Ribeiro, que foi poupado de críticas, as quais recaíram sobre Sílvio Romero, e ao germanismo de forma mais discreta, cujo objetivo era também atingir os intelectuais sergipanos adeptos e discípulos de Tobias Barreto. No caso específico de Sílvio Romero, as críticas vieram por ele invocar para si diretamente os estudos ou alertar sobre a necessidade de olhar na direção da sociedade negra que se formava no Brasil, principalmente após a abolição. Sua preocupação foi justamente alertar para a urgência de estudar o que até então era ignorado: os povos em condição de escravidão, vistos apenas sob a ótica econômica como objetos do meio de produção. Com a assinatura da Lei Áurea, surgiu a necessidade de estudar os afrodescendentes.
Vale lembrar que o movimento evolucionista e positivista de Comte compunha as bases das hipóteses científicas da época. Quando Romero externou sua preocupação no campo da literatura, foi o suficiente para carregar para sempre a marca de preconceituoso e racista. O segundo a estudar de forma realmente preconceituosa foi o médico catedrático Nina Rodrigues, pois utilizou métodos lombrosianos ao estudar e pesquisar os africanos e seus descendentes, fazendo uso da pseudociência em voga na época.
Todavia, no 2º Congresso Afro-Brasileiro da Bahia, em 1937, entre os participantes, Artur Ramos, Edison Carneiro, entre outros, reivindicavam o pioneirismo para Nina Rodrigues e suavizaram suas pesquisas, alegando que ele não poderia ser acusado de pertencer a uma “escola preconceituosa sob a tese de inferioridade antropológica do negro ou degeneração da mestiçagem”. Em outras palavras, expoentes do congresso, como Arthur Ramos e Edison Carneiro, absolveram Nina Rodrigues de qualquer crítica e ainda lhe atribuíram o pioneirismo nos estudos da temática, relegando Sílvio Romero à poeira dissipada pelos ventos.
Eu pergunto: por que Sergipe não saiu em defesa de Sílvio Romero? Por que esse silêncio até os dias atuais, sendo que ele não adentrou o campo da pseudociência? Sílvio Romero alertou para a importância de estudar os africanos e seus descendentes no Brasil por meio da literatura. A frase de classificação hierárquica entre o índio, o negro e o branco, atribuída a Sílvio Romero, ainda hoje é criticada? Repito: ele atuou no campo literário. Já Nina Rodrigues teve reivindicados para si não apenas o pioneirismo, mas também a absolvição de qualquer preconceito, mesmo tendo suas pesquisas fundamentadas no campo científico, como médico, e não no campo literário.
Lembro-me bem de um curso que fiz pela USP, no qual o professor Miguel Reale foi defendido pelos paulistas por sua participação no início do movimento integralista. A justificativa apresentada foi a de que, diante do caos do mundo liberal em 1929, Reale teria se associado ao movimento para fortalecer o Estado de Direito, longe de qualquer aliança com o totalitarismo. Ou seja, os paulistas saíram em defesa de seu intelectual. Mesmo diante de críticas, Miguel Reale é lembrado e elogiado até hoje pelos paulistas.
O professor Gilberto Freyre foi acusado de suavizar as relações entre os colonizadores brancos e os povos nativos das colônias portuguesas. O fenômeno utilizado por Freyre foi o luso-tropicalismo, rejeitado principalmente por intelectuais de Moçambique e Angola, que viam suas ideias como uma arma potente nas mãos de António Salazar, ditador português, que se valeu do estudo de Freyre para afirmar que as relações coloniais foram amistosas. Salazar, inclusive, passou a utilizar o termo “povos das províncias ultramarinas” para evitar a expressão “colônias portuguesas”. Bastaram as críticas dos intelectuais africanos, como Amílcar Cabral e Lourenço Joaquim da Costa Rosário — sobre Freyre, para que os pernambucanos saíssem prontamente em sua defesa.
Conclusão: os sergipanos deixam passar em silêncio o cortejo fúnebre das críticas a Sílvio Romero, um dos expoentes da liderança do movimento intelectual da Escola do Recife, que, na verdade, deveria ser chamada de Escola de Sergipe, pois o seu maior líder foi Tobias Barreto. O Brasil tem sérias dificuldades em aceitar que um grupo de intelectuais, oriundos do Nordeste, liderado por um sergipano, tenha insurgido contra a velha ordem conservadora e arcaica, trazendo inovação e luz ao Brasil, que estava ainda mergulhado nas trevas do atraso.
A única escola de pensamento da história do Brasil que realmente ultrapassou os limites do pensamento tradicional foi a escola de Tobias Barreto. Nem mesmo o movimento de 1922, conhecido como Semana de Arte Moderna, consolidou-se como escola, razão pela qual é chamado apenas de movimento. O Brasil jamais reconheceu ou aceitou a escola liderada por Tobias Barreto, filho do estado de Sergipe, como uma locomotiva do saber, com os demais estados como vagões. Então, por que esse silêncio diante da necessidade de defender Sílvio Romero? Há muitos interesses mesquinhos e uma profunda pequenez no mundo intelectual brasileiro.
Se nós, sergipanos, não defendemos Sílvio Romero, eu, Antônio Porfírio de Matos Neto, após estudar o assunto profundamente e refletir sobre ele, com base em estudo sistemático e minhas observações, atesto que o intelectual sergipano Sílvio Romero foi o primeiro a estudar e pensar, ainda que de forma literária, a questão dos africanos e afrodescendentes. E também afirmo que não há razões para a assertiva de que Sílvio Romero foi racista em seus estudos sobre os povos africanos e seus afrodescendentes.
Espero que a comunidade sergipana rompa o silêncio e reforce a defesa de Sílvio Romero, não o faça por bairrismo ou vaidade em favor de um conterrâneo, mas por justiça histórica, pois ele é merecedor de defesa.
Antonio Porfirio de Matos Neto
Graduação em Direito, Economia, Ciências Políticas e Filosofia
Graduando em História
Pós Graduação em Gestão Municipal
Pós Graduando em Gestão Pública
Mestre em Economia
Doutorando em Filosofia