Na luta cotidiana, somos, ao mesmo tempo, seres míticos, filosóficos, humanos e históricos. Somos como Hércules em sua incessante batalha, vencendo o que parecia invencível, conquistando glórias em meio aos tormentos e às aflições da vida. Somos Ulisses, com sua tenacidade inabalável, enfrentando monstros e tempestades, mas sempre mirando horizontes seguros na proa do olhar e da esperança.
Somos o sábio e o pensador, contemplando do alto da pedra do conhecimento a eterna pergunta: o que somos?
Somos o homem descrito no livro do Eclesiastes, ciente de que, após a chuva, vem o sol, e que, depois da noite, irrompe o dia; por isso, devemos estar preparados para as inevitáveis mutações do viver.
Somos também o ontem: nossos antepassados, nossas raízes familiares e tudo aquilo que primeiro brotou no solo sagrado que nos acolhe. Nada seríamos sem a gestação do passado. Carrego comigo, na memória e na saudade, as velhas rezas, os oratórios singelos, os terços e rosários de fé que deslizavam pelos dedos frágeis, mas eram fortalecidos na crença de nossos ancestrais.
Ouço ainda as palavras sábias de meu avô, as histórias contadas por minha avó, os ecos dos ensinamentos de meus pais guiando meus passos na jornada da vida. Ainda ressoam em minha mente os sinos da igreja, e avisto, na lembrança, as velhas beatas com seus cadernos de oração nas mãos.
Vejo os antigos casarios, as suntuosas residências dos abastados e também as humildes casas de taipas, bodegas e armazéns. Recordo-me dos velhos amigos à beira do balcão, das prosas simples que se espalhavam pelos espaços e que, de algum modo, chegaram até mim como preciosas lições de vida.
Lembro-me das estradas nuas e empoeiradas, dos camboeiros, dos caçuás e dos sacos carregados de um pouco de tudo. Sinto ainda o cheiro acolhedor do café torrado e batido no pilão; vejo a cadeira de balanço posta na calçada, à espera das conversas da tarde.
Sim, eu sou filho de tudo isso. Vivo, na memória, cada fragmento dessa história.
Sou filho desta terra, do Alagadiço, de Frei Paulo e de Aracaju de hoje e de outros tempos. Sou fruto dessa terra e desse povo. Um ser que se reconhece no livro do tempo, sempre consciente de que somos apenas uma partícula no vasto universo, partícula esta que, no entanto, abriga em si toda a imensidão do cosmos que ousamos construir.
Antônio Porfírio de Matos Neto
Graduação em Direito, Economia, Ciências Políticas e Filosofia
Pós-Graduação em Gestão Municipal
Mestre em Economia
Doutorando em Filosofia