O questionamento sobre se o Estado constitui um reflexo fiel da sociedade que o compõe é recorrente na filosofia política e nas ciências sociais. Historicamente, a formação do Estado se deu, em grande parte, como uma estrutura destinada a controlar e organizar a sociedade. Diversos pensadores formularam interpretações distintas, e, muitas vezes, antagônicas, a respeito dessa relação.
Vejamos, por exemplo, o Leviatã, de Thomas Hobbes: para ele, o Estado é indispensável como instrumento de coação, surgindo da necessidade de conter a natureza violenta e egoísta do ser humano, o famoso homo homini lupus (o homem é o lobo do homem). Já John Locke se opõe a essa concepção pessimista. Para ele, no estado de natureza, o ser humano possui direitos inalienáveis e a liberdade para buscar o individualismo, sendo o Estado apenas um meio de garantir esses direitos naturais, e não de subjugar a liberdade.
Karl Marx, por sua vez, apresenta uma crítica radical ao papel do Estado. Em sua concepção, o Estado é uma superestrutura erigida para garantir a dominação da classe burguesa sobre o proletariado. Assim, o que se observa não é um Estado que reflita a totalidade da sociedade, mas uma máquina que serve prioritariamente aos interesses dos detentores dos meios de produção. Nessa perspectiva, a sociedade é moldada por estruturas que reproduzem e legitimam a desigualdade, e o povo, longe de ser sujeito da história, torna-se objeto da dominação.
Dessa forma, poder-se-ia afirmar que o Estado, em muitos contextos, não é um espelho da sociedade, mas o reflexo de uma direção consciente imposta por estruturas de poder elitizadas, que moldam os rumos do país conforme seus próprios interesses.
Um exemplo elucidativo dessa realidade é a promulgação da Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”. Fruto da redemocratização pós-regime militar, ela representou avanços expressivos em direitos sociais, civis e políticos. No entanto, poucos anos depois, o próprio Estado passou a adotar discursos neoliberais em nome da austeridade fiscal, promovendo a desestatização de empresas estratégicas a preços irrisórios. O Estado, então, passou a operar não como defensor dos direitos conquistados pela sociedade, mas como executor de projetos econômicos alinhados com interesses privados.
Essa condução não é espontânea, tampouco democrática em sua essência. Ela é orientada por estruturas invisíveis de poder que se consolidam ao longo do tempo. A esse respeito, a Escola de Frankfurt, especialmente por meio dos teóricos Theodor Adorno e Max Horkheimer, contribui com uma leitura crítica da cultura moderna. Segundo eles, a chamada “indústria cultural”, ou cultura de massa, atua como um mecanismo de reprodução ideológica, responsável por moldar subjetividades e manter o status quo. A falsa sensação de liberdade e escolha promovida por essa indústria seria, na verdade, uma sofisticada forma de manipulação, que garante a perpetuação do poder pelas elites.
Diante disso, conclui-se que o Estado, em grande parte, não reflete a sociedade como um todo, mas sim os interesses das forças dominantes que conduzem suas engrenagens. O povo, longe de ser o condutor desse reflexo, é muitas vezes guiado pelas estruturas de poder que induzem a pensar, sentir e agir de forma alinhada a uma ordem previamente estabelecida.
Antônio Porfirio de Matos Neto
Graduação em Direito, Economia, Ciências Políticas e Filosofia
Pós Graduação em Gestão Municipal
Mestre Economia
Doutorando em Filosofia