A visita do vice-presidente da República a Aracaju, em 12 de abril, coincidiu com um verdadeiro dilúvio que atingiu a capital sergipana. A natureza, em um gesto simbólico, pareceu recepcioná-lo com fortes chuvas logo nas primeiras horas da manhã, expondo de maneira incontestável a fragilidade do sistema de drenagem da cidade.
Na mitologia grega, há a figura de Kairós, o deus do tempo oportuno, aquele que representa o momento certo de agir. E foi justamente nesse cenário caótico, sob o signo de Kairós, que a comitiva presidencial desembarcou na capital.
O impacto para a população só não foi mais grave pelo fato de ser um sábado, dia em que, em geral, as escolas estão fechadas, os órgãos públicos não funcionam e o fluxo de veículos é consideravelmente menor. Ainda assim, os transtornos foram significativos.
Enquanto a cidade enfrentava alagamentos, a preocupação central da classe política local foi garantir a presença do vice-presidente na Assembleia Legislativa, não para discutir os reais anseios do povo, mas para tratar de compromissos políticos, distantes do ideal aristotélico de política como instrumento do bem comum. Do lado de fora, o povo, alheio às decisões e debates, permaneceu afastado do suntuoso prédio da casa legislativa.
Como já apontava o filósofo Norberto Bobbio, a democracia representativa, que ainda vigora em nosso país, distancia o povo do exercício direto do poder, tão presente na Grécia de Péricles, onde as decisões eram tomadas em assembleias públicas, nas praças e ruas.
Retomando a visita, a ocasião era perfeita, um verdadeiro kairós, para que nossos representantes políticos tivessem aproveitado a presença da autoridade nacional para apresentar, in loco, as necessidades urgentes de Aracaju. Bastaria oferecer ao vice-presidente um simples kit de proteção contra as chuvas e conduzi-lo a uma conversa séria sobre a urgência de investimentos na drenagem urbana da capital.
Infelizmente, sabemos que dificilmente a bancada federal se unirá para propor uma emenda coletiva com esse fim. Os interesses são outros. Com 2026 se aproximando, o foco principal dos parlamentares está na reeleição. E mais uma vez, perde-se a chance de transformar um evento simbólico em uma conquista concreta para a cidade.
O vice-presidente poderia ter saído sensibilizado da experiência. Recursos oriundos do Tesouro poderiam ser viabilizados para resolver o problema estrutural da drenagem que, a cada nova chuva, transforma Aracaju em um cenário de caos e vulnerabilidade.
Mas, em vez disso, a agenda seguiu um curso protocolar: visita ao belíssimo museu, uma estrutura que, ironicamente, parece imune às intempéries, e reunião com empresários.
Perdeu-se, assim, uma grande oportunidade. A natureza, sábia em sua manifestação, fez a sua parte ao revelar as chagas da cidade. Já a classe política, ao contrário, ignorou o apelo silencioso de Kairós e deixou passar o momento ideal para reivindicar ações concretas em benefício dos mais necessitados.
Antônio Porfirio de Matos Neto
Graduações em Filosofia, Economia, Ciências Políticas e Ciências Jurídicas.
Pós graduação em Gestão Municipal.
Mestre em economia
Doutorando em filosofia