O naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire cunhou a célebre frase: “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil”, proferida ainda no século XIX. Em analogia a esse pensamento — que não se concretizou literalmente, mas cujos efeitos simbólicos permanecem danosos —, não pelas formigas em si, mas pelas formas predatórias com que brasileiros e estrangeiros lidam com as riquezas naturais do país. Para se produzir um quilo de açúcar no período colonial, utilizavam-se 15 quilos de lenha, o que marcou o início do nosso histórico processo de desmatamento. O açúcar representava então a principal fonte de riqueza voltada ao abastecimento do mercado europeu, sendo um negócio extremamente lucrativo para os primeiros intermediários comerciais envolvidos em sua venda.
Segundo o professor Celso Furtado, os maiores beneficiários dessa lucratividade eram, na verdade, os holandeses — e não os portugueses, tampouco os habitantes nativos do Brasil, como os Tapuias, Tupinambás, Tupiniquins, Aimorés, Kariris, entre tantos outros. Tratava-se de um período regido pelo mercantilismo, em que não havia remuneração pelo trabalho, uma vez que o capitalismo — com pagamento em troca da força produtiva — ainda era visto como uma etapa futura e mais avançada do sistema econômico.
Desde então, um personagem vem sobrevivendo nas sombras, passando despercebido e raramente incomodado. Ele existe — e é real. Tão real que se manifesta justamente no ápice do sistema capitalista: o momento do lucro. Não há políticas públicas eficazes voltadas ao enfrentamento dessa figura tão nociva aos negócios, tanto no Brasil quanto no mundo. Evito me alongar, pois até mesmo minhas observações podem não captá-lo plenamente, já que o governo, a mídia, os analistas econômicos e a própria população parecem ignorar sua responsabilidade no aumento dos preços, contribuindo decisivamente para a constante ameaça à estabilidade salarial dos trabalhadores e, por que não dizer, à própria estabilidade econômica do país.
O nome popular desse agente é “atravessador” ou “intermediário”. Ele nada produz. Apenas adquire os produtos rurais a preços irrisórios e os revende com margens muito acima do valor real. Muitos ainda são beneficiados indiretamente por políticas públicas, como subsídios voltados ao produtor rural: compram barato, aproveitam-se dos incentivos e revendem com preços inflacionados, contribuindo para o aumento do custo de vida.
Uma das soluções possíveis seria a implementação de políticas de preço justo, aliadas à criação de estruturas e incentivos que permitam aos produtores entregar seus produtos diretamente aos mercados consumidores, eliminando a dependência do atravessador. A frase que nos guiava no passado, portanto, ganha uma nova roupagem e um novo alerta: “Ou o Brasil acaba com o atravessador, ou o atravessador acaba com a economia do país.”
Antônio Porfirio de Matos Neto
Graduações em Filosofia, Economia, Ciências Políticas e Ciências Jurídicas.