Muitas pessoas perguntam por que tenho tanto amor por Laranjeiras, e minha resposta é sempre a mesma: “Você conhece Laranjeiras, sua gente e sua cultura. Se conhecesse, não faria essa pergunta.” Laranjeiras me ensinou muito, permitindo me compreender profundamente o significado da Sergipanidade, entender o que é miscigenação ou mestiçagem. Além de testemunhar de perto o depósito de nossa tradição e identidade mais ricas.
Ao defender Laranjeiras com todas as minhas forças, estou defendendo tudo em que acredito na cultura deste estado que, por vezes, parece distante de sua própria identidade. Além disso, tento retribuir tudo o que a Capital da Cultura Popular me proporcionou, com sua diversidade e força cultural. Desde a minha chegada à cidade em 2009, para assessorar a prefeita Ione Sobral em projetos nas áreas de cultura e turismo, passei por momentos desafiadores. No ano anterior, a prefeita havia concorrido à reeleição após anos de batalhas judiciais para comprovar a fraude na eleição. Faltando um ano para o término do mandato, ela conseguiu assumir e realizar um ano de trabalho para reconstruir a cidade, possibilitando sua candidatura e vitória nas eleições. Desde o primeiro momento da vitória, estive ao lado da minha amiga Ione Sobral.
Em 2008, junto com Milton Goulart, produzimos um documentário sobre os Lambe Sujo e Caboclinho, e no início de 2009, outro documentário sobre o Encontro Cultural de Laranjeiras. Esses trabalhos estreitaram meus laços com a prefeita, que me convidou para fazer parte de sua equipe de assessoria. Enquanto assessor cultural e de turismo, organizamos o Micarême e, logo depois, dois seminários de preparação para o Encontro Cultural. O primeiro, “Como Viver em uma Cidade Patrimônio”, contou com a participação de Salma Saddi, uma das maiores especialistas em patrimônio do país. Durante o discurso da prefeita, ela anunciou sem me comunicar previamente que eu já estava nomeado como Secretário Municipal de Cultura.
Nos últimos meses que antecederam esta data, fui alvo de inúmeras piadas e comentários a respeito da minha presença e trabalho na cidade. Frases como “Mais um estrangeiro trabalhando para a cultura local; será que um artista sabe lidar com a gestão, ou apenas aparenta conhecer nossa cultura?” eram frequentes. No entanto, no momento do anúncio da prefeita, experimentei uma imensa alegria e uma profunda vontade de contribuir da melhor forma possível para a cultura de Laranjeiras. A cultura dessa cidade tornou-se conhecida
por mim aos 15 anos, quando participei, junto ao meu tio José Calazans Brandão da Silva, do primeiro Encontro Cultural de Laranjeiras, realizado em um circo montado no Quaresma.
O significado e a importância dessa experiência marcante ficaram gravados em minha memória.
Ao assumir o compromisso de contribuir para a cultura Laranjeirense, senti o peso e a responsabilidade que isso acarreta. A cidade é reconhecida como a Antena
Sergipana, o berço da cultura de Sergipe, e essa consciência chegou até mim. Lembrei-me das sábias palavras do meu tio quando, após questionar se eu tinha gostado da
experiência, respondi afirmativamente. Ele, como um visionário, profetizou: “Então, prepare-se, pois você será um de nós.” Fiquei ansioso para enfrentar os desafios e contribuir para o crescimento e prosperidade da cultura local, honrando as tradições e o legado que me foram transmitidos.
Após o evento, fui cumprimentado por várias pessoas, incluindo um senhor que não parava de me observar desde o anúncio da minha nomeação. Ele era um fervoroso crítico da gestão, sempre presente em eventos para fazer discursos acusatórios à prefeita. Ao se aproximar, perguntou se eu era o novo Secretário de Cultura da cidade. Respondi que fui pego de surpresa e que ainda conversaria com a prefeita, mais, mesmo que aceitasse não seria, só estaria secretário. Ele, com um tom meio agressivo, questionou se eu conhecia João Mulungu. Respondi com outra pergunta: “E o senhor conhece Candido Aragonez de Faria?”
Ele deu um passo para trás e disse que não conhecia. Expliquei sobre Candido, um laranjeirense como ele, e propus conversarmos posteriormente sobre João Mulungu, que era alagoano. Queria muito conhecer a opinião dele e discutir como poderíamos eternizar a vida de João Mulungu, além de homenagear outros laranjeirenses notáveis. Ele baixou o tom, tornou-se mais cortês e concordou em continuar a conversa posteriormente. Assim, estabelecemos uma relação mais amigável. Foram cinco anos de gestão, aprendendo com cada gesto e palavra.
Nunca esquecerei essas experiências e, aqui, tentarei compartilhar boa parte dessas emoções e momentos vividos na Capital da Cultura Popular
QUE EDUCAÇÃO QUEREMOS EM 2034?
O último 24 de janeiro foi marcado pelo Dia Internacional da Educação, data celebrada pela Organização das Nações Unidas (ONU). A comemoração acontece alguns dias após a
divulgação do resultado do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que entre outras medidas, identificou que o fosso entre a escola pública e a particular continua alto. Para provar, entre os 60 estudantes que tiraram nota mil na redação do ENEM, apenas 4 são de escolas públicas.
O dia 24 de janeiro também precede a realização da Conferência Nacional de Educação (CONAE), que acontecerá entre os dias 28 e 30 de janeiro de 2024, em Brasília. Estima-se que 2.400 pessoas representem os 26 estados e o Distrito Federal nas discussões e deliberações do evento. Na pauta, o diagnóstico dos dilemas da educação brasileira na atualidade e a indicação de subsídios para a elaboração do Plano Nacional de Educação (PNE) para os próximos 10 anos. O PNE, em sua terceira versão, tem por objetivo central balizar as ações do Governo Federal, em colaboração com estados e municípios, no campo educacional, de tal modo que, independentemente do governante de plantão, as metas continuem sendo implementadas. Em outras palavras, tem por função pactuar um projeto de Estado para a educação.
A CONAE é composta, de forma resumida, por sete eixos: Eixo I – O PNE como articulador do Sistema Nacional de Educação (SNE); Eixo II – A garantia do direito de todas as pessoas à educação de qualidade social; Eixo III – Educação, Direitos Humanos, Inclusão e Diversidade; Eixo IV – Gestão Democrática e educação de qualidade; Eixo V – Valorização de profissionais da educação; Eixo VI – Financiamento público da educação pública; Eixo VII – Educação comprometida com a justiça social e a proteção da biodiversidade.
Nota-se que os eixos são amplos, mas, ao mesmo tempo, procuram contemplar as mais variadas etapas e os agentes envolvidos na efetivação do direito à educação. Assim, o debate da CONAE é plural, do ponto de vista político-ideológico, revelando as mais variadas vozes que, cotidianamente, trabalham e pensam a educação brasileira. Professores/as, estudantes, pesquisadores/ as, líderes sindicais e estudantis, representantes de ONG’s e de governos (federal, estadual e municipal) estão encarregados de materializar o anseio popular por mais e melhores escolas/universidades. O espírito diverso e plural da CONAE pode espelhar o clima político dos dias atuais, onde forças políticas distintas se articulam e procuram intervir nos rumos educacionais do país. Tem-se, desse modo, liberais, neoliberais, humanistas, tecnicistas, ultraliberais, conservadores, comunistas, socialistas e outros “ismos” políticos.
Há também os reacionários, corrente política que ascendeu na opinião pública de forma acelerada nos últimos anos e ganhou identidade própria durante o mandato do último ex-presidente. Na agenda política-educacional que defendem, aparecem propostas como a luta contra o “aparelhamento ideológico da educação”, a regulamentação do homeschooling, a
defesa do projeto Escola sem partido e a valorização da família como única instância capaz de educar moralmente as crianças e jovens. É deles, por exemplo, a invenção de
que o MEC, durante o governo Dilma (PT), distribuía um kit gay nas escolas.
Os indícios apontam que eles não comparecerão, de forma orgânica, na CONAE. No máximo, vão aparecer com cartazes para fazer muito barulho e procurar lacrar, visando
postar vídeos nas redes sociais em busca de engajamento e, quem sabe, votos nas eleições municipais de 2024. De última hora, parlamentares ligados às bancadas da bala, boi e bíblia publicaram uma nota pedindo o adiamento da CONAE, demonstrando insensibilidade política com todos aqueles e aquelas que participaram das etapas municipais/estaduais e, mais grave, prorrogando a possibilidade de o Brasil ter metas para efetivar o direito à educação. O debate central da CONAE ficará em torno da efetivação do direito a educação e como ele
será garantido. Isso implica dizer que o debate passará pela destinação dos recursos públicos para a área. Nunca é tarde lembrar que algo em torno de 7% do PIB nacional é investido na área.
Se esse cenário se confirmar, as forças políticas que disputarão os rumos da CONAE pautarão temas como formação de professores/as, expansão das vagas na educação infantil, melhoria da qualidade da educação básica, novo Ensino Médio, financiamento público da educação, valorização dos profissionais da educação, gestão e democracia, ampliação da graduação e pós-graduação, educação inclusiva, educação e desenvolvimento econômico, social e sustentável, entre outros. Porém, a polêmica, provavelmente, girará em torno do dilema político-educacional de nosso país, a saber: se o direito à educação será com o fortalecimento e ampliação do espaço público ou privado? De igual modo, a depender da deliberação, se os recursos públicos poderão ou não servir para fortalecer o que é público ou que é privado. Em suma, que as luzes da sabedoria orientem os participantes da CONAE para que o direito
a educação de qualidade seja efetivado pela esfera pública e no espaço público.
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