No dia 6 de dezembro do ano passado, o ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, negou a existência de qualquer entendimento comercial com o objetivo de importação de tilápias do Vietnã. Na ocasião, em plena Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado, foi mais além e disse que a sua pasta estava empenhada na defesa dos produtores nacionais de pescado. Ou o ministro é mentiroso ou não sabe o que se passa no seu próprio Ministério.
Ainda em dezembro, 25 toneladas de tilápias entraram no país, ao custo de US$ 118 mil, algo em torno de R$ 580 mil, na cotação atual do dólar. O valor do quilo (já transformado em filé) é estimado em R$ 22,95. No Brasil, segundo dados da Associação Brasileira da Piscicultura (PeixeBR), o produtor recebe em torno de R$ 9,51 a R$ 10 pelo quilo da tilápia inteira. Dessa forma, se fosse para produzir esses filés no Brasil, o valor pago pela indústria ao produtor seria cerca de R$ 5,30, mais de R$ 4,00 abaixo do custo de produção, o que inviabilizaria a atividade.
Voltando ao “desinformado” ministro, na reunião no Senado ele garantiu que “o governo não propôs, discutiu, negociou ou assinou qualquer tipo de acordo comercial relacionado a esse assunto. Após consultar outros órgãos do governo, podemos afirmar, com certeza, que esse acordo não existe”, afirmou André de Paula.
A carga de 25 toneladas de tilápia vietnamita chegou ao Brasil apenas algumas semanas depois das declarações do ministro. A confirmação da compra está registrada no ComexStat, sistema do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), conforme a imagem abaixo:

Na época, várias publicações ligadas ao agronegócio reclamaram da transação. O Portal Sou Agro, o maior do país em jornalismo especializado no setor, entrou em contato com o Ministério questionando se a carga seria uma aquisição isolada, qual seria a justificativa para essa compra e qual o destino do produto, se haveria acordo em elaboração para a importação do produto e se essa importação não teria impacto na cadeia nacional, especialmente no Paraná, maior produtor nacional de tilápia. O Ministério jamais respondeu.
O risco sanitário da entrada dessa carga no território nacional também pode ter sido desprezado pelo Ministério. O Brasil não possui acordo sanitário para a compra do peixe do Vietnã. Segundo a PeixeBR, além de não existir o acordo sanitário, “não há a existência de ARI (análise de risco de importação) para a tilápia. Existia uma para o peixe panga, que do ponto de vista sanitário não tem validade, pois são espécies diferentes”. Ainda de acordo com a entidade, “o Código de Saúde Animal Aquática da Organização Mundial de Saúde Animal (Onsa) recomenda a Análise de Risco de Importação por espécie”. Questionado sobre esses riscos, o Ministério também não respondeu.
Afinal, por que comprar tilápia do Vietnã quando o Brasil é o 4º maior produtor do mundo e o Paraná é o maior produtor do país?
Sem respostas do governo federal, a Federação da Agricultura do Estado do Paraná (FAEP) se manifestou de forma contrária à importação de tilápia do Vietnã. Em documento encaminhado no dia 17 deste mês ao ministro da Pesca e Aquicultura, a entidade paranaense repudia a compra de 25 mil quilos do peixe do país asiático, realizada em dezembro de 2023, assim como possíveis futuros negócios.
A Faep lembra que a importação de tilápia prejudica a piscicultura brasileira e paranaense. “Atualmente, a atividade está em franca expansão em território nacional, principalmente quando se trata da produção de tilápia. No caso específico do Paraná, maior produtor do país e responsável por 40% da produção nacional do peixe, a importação do Vietnã pode prejudicar a produção e o mercado local. Não podemos deixar acontecer como o que estamos vendo na atividade leiteira, na qual as importações estão achatando as cotações internas do produto, inviabilizando a produção e, principalmente, retirando milhares de produtores da pecuária de leite. Precisamos e vamos lutar para proteger a piscicultura deste cenário”, destaca o presidente Ágide Meneguette.
Vale destacar que a produção anual do país é superior a 550 mil de toneladas e o Brasil tem capacidade para atender a demanda interna, além de gerar excedentes para exportação, contribuindo para a balança comercial. Em 2023, o país exportou quase 2,1 mil toneladas de tilápia, aumento de 96% em relação a 2022, gerando dividendos na ordem de US$ 14,1 milhões.
Além da questão comercial, a FAEP também ressalta a preocupação com os protocolos sanitários e ambientais divergentes entre os países. Em 2021, o Paraná obteve o reconhecimento como área livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE). Desta forma, o Estado precisa manter uma estrutura sanitária sólida e robusta, para garantir, futuramente, a abertura de mercados consumidores mais exigentes.
O silêncio do Ministério da Pesca e Aquicultura, e do seu ministro André de Paula, é constrangedor, autoritário e prepotente. Nenhuma entidade ligada à atividade reconhece qualquer razão – ou explicação – para essa estapafúrdia importação. É preciso cortar o mal pela raiz antes que os produtores paranaenses acumulem prejuízos. Não se viu, até o momento, nenhuma defesa do Paraná por parte da Secretaria Estadual da Agricultura. Isso é preocupante pois não é hora de omissão.