Em um ano representativo na história brasileira: ano do Bicentenário da Independência do Brasil e os 100 anos da Semana de Arte Moderna, foi realizado o II Simpósio Internacional de Flautistas de Sergipe (II SIFS), nos dias 12 e 13 de setembro.
A Universidade Federal de Sergipe (UFS), vem investindo em parcerias e promovendo eventos pelo Departamento de Música que fomentem no Estado um habitus da popularização musical e disseminação de novos repertórios em Sergipe.
O SIFS alcançou, sem dúvida, seu objetivo: familiarizar os sergipanos a concertos de Flauta Transversal com um repertório multifacetado. O concerto ficou a cargo do Quarteto de Flautas da Bahia. Essa foi a 1ª vez que Sergipe recebeu o Quarteto. Para o professor do Conservatório de Música de Sergipe (CMS), Wolfgang Adary Ferreira Ribeiro, o sentimento é único.
“Para mim é uma felicidade grande poder ouvir e aprender com esse grupo que tem em sua composição dois dos meus professores: João Liberato, com quem iniciei os estudos e o professor Lucas Robatto com quem atualmente estudo na Universidade Federal da Bahia”, elogiou o participante do evento.
Essa emoção se deve ao naipe da formação do Quarteto, composto por doutores, doutorandos e mestres na área musical: Lucas Robatto, João Liberato, Rafael Dias e Leandro Oliveira.
O SIFS já pode ser considerado um grande marco musical ocorrido em Sergipe neste ano e que, além do Quarteto, também contou com a participação especial do flautista sueco Anders Ljungar-Chapelon, uma autoridade musical no âmbito internacional, professor do Royal Northern College of Music (Manchester/Inglaterra) e da Lund University/Malmo Academy of Music (Malmö/Suécia).
Para os alunos foi um momento de aprendizado. “A presença do Quarteto de flautas da Bahia aqui em Sergipe é muito importante para que os estudantes de música entrem em contato com músicos de alta performance e despertem motivação para os estudos”, opinou Wolfgang Adary Ferreira Ribeiro, que é compartilhada pelos seus alunos do conservatório:
“Foi o máximo. Eu gostei muitíssimo, amei! Pena que vai demorar para revê-los”, Selma Claide dos Santos.
“Fiquei muito emocionado e admirado com o nível técnico dos flautistas. Impressionante!”, Thiago de Jesus Costa e que veio acompanhado da sua irmã Letícia de Jesus Costa, 10 anos. “Eles são muito bons. Fiquei impressionada com o tamanho de outras flautas que eu não conhecia. Eu gostei muito como eles começaram a tocar as músicas”, relatou Letícia.
Os alunos de música da UFS também demonstraram entusiasmo com a vinda do Quarteto:
“Toco piano e teclado e o interessante é conhecermos a dinâmica de cada instrumento. Fiquei impressionada pelos músicos fazerem movimentos de percussão com a própria flauta. O bonito é observarmos essas intimidades de dinâmicas que cada instrumento tem”, Maria de Fátima Bernardo do Santos.
“Acredito que a vinda de grupos como o Quarteto de Flautas serve como incentivo musical, tanto para o professor como para os alunos. A virtuosidade dos integrantes é impressionante, serve como inspiração”, Daniel Antônio de Jesus Melo.
Mas, a que se deve tantos elogios? Com um repertório musical que trouxe a miscigenação brasileira, o musicista e integrante do Quarteto, Rafael Dias, discente da pós-graduação da UFBA, integrante do grupo “Troca Interativa”, compositor de “Três Emoções”, um dos repertórios tocado no evento, falou sobre sua relação com a música e Sergipe. “Meu pai nasceu em Carira, e minha avó por parte de mãe nasceu em Lagarto. Passava todas as férias de escola em Lagarto na minha infância. Assim, a peça Três Emoções surgiu de um desejo de criar música com aspectos identitários do Nordeste. Escolhi três delas e fiz três movimentos distintos, cada um representando uma emoção. Então, ficaram três emoções: alegria, tristeza e raiva. A 1ª vez que fui em Carira foi por volta dos 18 anos. Embora não tenha ido lá em minha infância, eu ouvia algumas histórias de meu pai. Uma delas é quando meu pai, ainda criança, ouvia a banda de pífanos na feira de Carira e que me inspirou no primeiro movimento da peça, o Alegria”, explicou Rafael Dias.
Outro integrante do Quarteto ressalta a importância do fomento da música no universo acadêmico. “O Quarteto de Flautas é um grupo musical que tem como foco a pesquisa. Conciliar o universo da pesquisa com a prática musical é muito difícil. Ainda mais quando se quer alcançar um nível elevado, a altura das composições dos grandes músicos que nos propusemos a tocar, não é nada fácil. Mas, estar aqui é mostrar que isso é possível, com todas as dificuldades que podem ocorrer”, colocou Leandro Oliveira (Tigrão), que é discente da Pós-graduação da UFBA, integrante da Orquestra Jazz Sinfônica e do “Bando do Tigrão”
Para cair no gosto acadêmico e popular, porque não assim dizer, o bom resultado só se deve a total sintonia entre os integrantes. “Nossa convivência pessoal e artística é muito fácil, pois compartilhamos uma mesma linha básica de pensamento flautístico, nossos diálogos e trocas se dão de maneira muito fluida, natural e fácil. Com certeza o Quarteto de Flautas da Bahia é um grande motivador para todos os meus alunos. Mas devo frisar que no quarteto não sou mais o “professor”, aprendo muito com os colegas, e a única diferença entre nós é que eu sou o mais velho (brincou)”, garantiu Lucas Robatto, flautista da Orquestra Sinfônica da Bahia, professor da UFBA e que é ou foi orientador acadêmico dos demais integrantes do grupo.
Como nem tudo é um mar de flores, o flautista reconhece os desafios, mas prefere olhar como uma dimensão pequena comparada às alegrias. “As alegrias são muitas, tanto que as dificuldades acabam assumindo uma dimensão muito pequena. Poder sentir a empatia e a vibração do público é um privilégio para nós, e esperamos poder disseminar estas alegrias para muitas pessoas”, finalizou.
A Universidade Federal de Sergipe (UFS) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) estão de parabéns pela parceria. Para João Liberato, professor do Departamento de Música da UFS, coordenador do II SIFS, e integrante do Quarteto de Flautas, existem, claro, as dificuldades em desenvolver projetos de extensão como este Simpósio Internacional e como o Quarteto de Flautas da Bahia. Ele relata algumas. “A primeira é encontrar pessoas qualificadas no nível desejado. Como no Nordeste tem a tradição de formação de flautistas acaba sendo mais fácil encontrar pessoas que estejam dentro do que almejamos. Porque a proposta do quarteto é fazer um repertório de nível mais avançado e expandir um pouco os horizontes da flauta transversal. Temos trabalhado no sentido de encomendar músicas novas porque é um dos pontos mais sensíveis desse projeto, pois não existe tanto repertório de alto nível para quarteto de flautas”, explicou.
Outra dificuldade mencionada por ele são os financiamentos. “Uma das maiores, é o financiamento para as atividades do quarteto. Nem sempre a universidade consegue apoiar e nem sempre os editais do governo apoiam. A música que o Quarteto se propõe a fazer não é uma música com apelo comercial, mas que procura contribuir com beleza e inovação estética. Temos trabalhado bastante para vencer essas dificuldades, buscando estabelecer parcerias, oportunidades em editais, e auxílio junto às universidades, apesar dos poucos recursos que elas têm”, revelou.
O REPERTÓRIO
Sobre o repertório “Três Emoções” e “Maianguelê”, incluídos no concerto presencial, o que dizer? “Foi a primeira vez que o Quarteto tocou, presencialmente, este repertório que faz parte do álbum Similitudes e também do novo EP, Maianguelê. São peças inéditas para formações em conjunto. Maianguelê é uma composição do renomado músico baiano, Paulo Costa Lima, e faz alusão à cultura afro presente na Bahia, utilizando-se de elementos rítmicos do candomblé e efeitos sonoros que evocam o misticismo tradicional de Salvador. Três Emoções, de Rafael Dias, integrante do Quarteto, é uma peça composta por três movimentos. No 1° movimento, um xaxado, que evoca momentos vividos pelo pai do compositor durante a infância na feira popular de Carira. O segundo evoca o toque de Angola, em alusão à cultura negra presente na comunidade quilombola da Mussuca. O 3° movimento é um frevo que faz homenagem ao bloco de carnaval Zé Pereira, de Neópolis. Essa peça foi gravada e apresentada em um concerto virtual com recursos da UFS”, relatou João Liberato.
O Quarteto é um projeto de extensão que envolve a parceria entre as duas universidades. “Para o grupo é muito importante, depois de um longo período afastado do concerto, voltar a tocar. Sergipe tem essa grande importância porque lança o ciclo de concertos do Quarteto, além de marcar esse novo momento de retorno do Quarteto às atividades presenciais tocando esse repertório inédito”, explicou Liberato.
O evento ocorre em um ano marcante para o Brasil, devido ao Bicentenário da Independência do Brasil e 100 anos da Semana de Arte Moderna. Liberato destaca a importância de eventos como esse ocorrerem em Sergipe: “Sergipe ainda não está em uma rota musical internacional e quando nos propomos a fazer um evento de envergadura Internacional, tendo um flautista importante na Europa como é o caso de Chapelon, amplia os horizontes. Colocamos o público em contato com um pesquisador de alto nível. Precisamos pensar sempre nessa internacionalização como uma ponte necessária para troca de conhecimentos, para troca de cultura”, concluiu Liberato.
Que mais eventos como este possam ocorrer em Sergipe para elevar a cultura musical no Estado, e fomentar nos alunos o interesse por instrumentos como a Flauta Transversal, seguindo repertórios de beleza artística e não somente comercial.
Por Sheyla Morales (SM COMUNICAÇÃO E IMAGEM)
Fotos: Fred Andrade